Vazio de barro

Acho que não sei mais escrever, não sei se é o vazio que está se fechando aos poucos ou se sou eu que não o cavo mais, não o olho, não o sinto, não o procuro. O quintal do meu corpo se expandiu, foi do bairro pra cidade, da cidade para o mundo, sem ter pego um único avião. Minha casa está em algum lugar que ainda não encontrei. Tenho um teto, mas não o teto que dá conta do meu tamanho, que dá conta da roda que faço à minha volta com meus afetos, meus quereres, meus cuidados. Tenho procurado sair de casa, mas não olho mais para os classificados, estou movendo os botões, as varetas, as caixas das gavetas, tudo de cima pra baixo, pra ver se algo se mexe, pra ver se algo acontece enfim. Deixei de lado algumas de minhas responsabilidades e dizem que não é por aí que se constrói uma vida adulta. Deve ser verdade, mas quero saber se existe alguém que aprendeu a ser adulto e deixou de ser criança em suas fragilidades. Minha agenda esteve cheia durante muito tempo, de repente a vi invadida por noites na cama, me vi envolvida num novo calor, num novo abrigo, que cabe em qualquer lugar, qualquer canto a qualquer hora, às vezes quando não estamos perto, é só colocar os fones de ouvido. Aprendi a agradecer pelas coisas boas, se isso é resquício da ética cristã na minha conduta, talvez, mas é também efeito dos meus sinais sendo atendidos, dos mais quietos aos mais barulhentos, da minha inquietude encontrando lugar no movimento das ruas, dos meus olhos livres de lágrimas de dor. Obrigada, sim, ao caminho torto que as coisas tem tomado, que me fez ver o teto mais alto, menos sufocante, deixando espaço para as janelas abertas pro que se esconde lá longe. Acho que ainda não sei escrever, e tudo bem se a editora não der uma resposta positiva para os meus envios. A poesia sabe conviver com o não, é de onde ela brota, é de onde eu brotei e isso nunca me fez murchar. Essa quinta feira de férias me fez olhar pro espelho e ver através do que me tornei, perceber que os cacos se colaram e nem faz tanto tempo que caí feito um jarro de barro da mesa mais alta. Espatifada no chão. Cá estou, escrevendo no branco, sem sentir o vazio, sem o peso, sem a agonia, indo pra algum lugar que não sei dizer quais cores tem, se é clima morno ou frio, se chove acredito que sim, que nenhuma terra seca recebe gente de fora. Agora me vejo de fora, porque estou olhando distante, entende? De lado, de cima, de costas, longe daqui. Minha vista laranja no azul disso tudo continua vibrante, e o branco da tela não mais me assusta, me esparramo e tomo espaço antes de pensar. Se me molhar, também estou molhando, água pra todo canto, não existe mais espaço pro vazio.
E se insistir, eu não deixo.

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